sexta-feira, 27 de junho de 2008

TEORIA DOS GOZOS – Capítulo I - Parte I

Oscar Cesarotto

Um é pouco, e três pode ser demais. Dois seria a medida certa, o caminho do meio? A eqüidistância dos extremos, a terceira via transitada e preconizada por Aristóteles, Buda, os beatos e todas as boas consciências, incluindo as nossas vovozinhas e o Dalai Lama? (Versão espanhola: Ni muy muy, ni tán tán...).

Três já são uma multidão, e até alguém poderia sobrar, quando dois não precisam de mais ninguém. E um, sozinho, a solidão. Entre a falta e o excesso, a pedida certa passa no meio. Na balança, pesa exatamente no meio. Na corda bamba, não cai. Entre o céu e a terra, não afunda. Eis o equilíbrio, um prazer sem contra-indicações.

O ponto de vista econômico da metapsicologia freudiana decorre do pensamento dialético alemão, comum a Hegel e a Marx. Também para Freud, a quantidade mudava a qualidade. No aparelho psíquico, o ponto de vista tópico explica a distinção das instâncias, enquanto o ponto de vista dinâmico descreve a forças em conflito, os deslocamentos e as formações de compromisso. Por fim, a economia libidinal, isto é, a cotização do gozo, do desejo e do prazer na Bolsa pulsional.

A oralidade fornece exemplos concretos. Uma amostra grátis no supermercado ou um prato requintado da nouvelle cuisine serão tão bons quanto possam ser, mas sempre exíguos. No segundo caso, o bom é pouco, mas é bom, valorizado pela raridade. No primeiro, o objetivo explícito é seduzir, tentar, dar água na boca, fazer querer mais porque foi bom, porém pouco. Cria-se assim o desejo no outro, pelo oferecimento de uma isca. Esta lógica funciona em qualquer contexto; por exemplo, nos trailers de cinema, ou no strip-tease. (Ou no fantasma consagrado por pais & mestres, o pipoqueiro da porta de escola.).

Lembremos aos usuários do português do Brasil que o verbo comer é equívoco por natureza. Portanto, os raciocínios acima também devem ser aplicados à genitalidade, mas sem deixar de fora as outras fases, e as zonas erógenas atípicas.

Algumas cogitações de bom senso psicanalítico:

- Só se deseja o que não se tem; só se deseja porque não se tem. A falta e a incompletude, por um lado, e o diferente e o novo, por outro, fazem a vida palpitar, avivam a curiosidade e ativam o circuito das pulsões. Os pequenos detalhes, os objetos parciais, nos fazem salivar e babar, dentre outras umidades.

- O que não se tem, e o que não se é, criam tensões que vão aumentando e trazendo desprazer. Quando se atinge um certo patamar, ou há descarga, e alívio imediato, ou a energia pode se voltar contra o sujeito, agora como sofrimento. Contudo, ficar carregado é, ao mesmo tempo, um gozo, adicional, ocasional ou existencial (karma).

- O prazer é, em primeiro lugar, o drible ou a eliminação do desprazer, a sua superação, mesmo que momentânea. Pode ser um equilíbrio instável, mas é sempre agradável. Faz bem, tudo de bom, a vida está cheia de prazeres, e temos órgãos dos sentidos para nos regozijar com eles. Bons momentos são sempre possíveis, por simples que sejam, e as pequenas e grandes curtições do cotidiano tornam os nossos dias vivíveis.

- Quando o prazer é insuficiente, há frustração e desejo insatisfeito. Mas o que acontece quando o prazer e os prazeres levam ao desequilíbrio pelo acúmulo? O que é bom pode ser até melhor, e do que gostamos, sempre queremos mais. Às vezes, é possível, e legal, na polissemia do termo. Mais uma vez, o que fez bem parece de bom tamanho. Porém, e se o tamanho mudasse? Continuaria fazendo bem?

- mais + mais = MUITO. Só se sabe o que excessivo quando já se ultrapassou o sensato. A quantidade mudando a qualidade. Tão bom era, tão bem foi, que por último, fludeu... Um plus, ao longo do tempo, cronifica. O que se acrescenta, acaba sedimentando. Entretanto, alguns limites podem ser previstos, testados, respeitados.

(Continua)

Um comentário:

Garota Psykóze disse...

Quando vem a continuação?
Obrigada